Menos bifes para todos
Li, numa notícia, que este ano os portugueses contribuíram menos para o banco alimentar contra a fome. Pois isto é coisa que não me espanta minimamente.
Das duas, uma: ou não têm possibilidades de o fazer, e por muito que gostassem de contribuir, não podem mais; ou sentiram-se ofendidos e desagradados com o já habitual discurso da presidente da federação europeia de bancos alimentares.
Confesso que quase me sinto tentada a não colaborar à conta desta última senhora que referi e das suas tão sempre oportunas declarações. Mas não sou capaz. Acredito que, ainda que seja uma peça minúscula do puzzle, o meu pacote de arroz, de leite ou de massa, possa ir fazendo a diferença.
Agora dirijo-me, concretamente, a si. Custa-me imenso criticá-la, senhora presidente da tal federação, tão-somente porque há-de ser mãe, e eu sei o que é ser filho. É extremamente doloroso ouvir dizer mal dos nossos pais, os nosso modelos, as pessoas que, para nós, fazem quase tudo bem. É pura e simplesmente por isto que me custa tecer críticas a seu respeito, ainda que saiba que o mais provável será que este texto chegue a duas ou três pessoas, se tanto.
Contudo, há críticas que não podem deixar de ser feitas, mas há coisas que podem deixar de ser ditas. Ou pelo menos, a ser ditas, que o sejam de forma menos grosseira, como assim dita a boa educação. E a si, creio que isso não há-de ter faltado.
Não posso deixar de concordar, em parte, quando fala nas famílias que encaram a pobreza como um modo de vida. Talvez não estejamos a falar de famílias. Falamos de pessoas singulares, muitas delas sem ou afastadas da família. Estas famílias de que fala, cujas crianças podem até chegar esfomeadas à escola, muitas vezes «bateram no fundo». Não há mais nada que lhes reste. E infelzimente os pais não têm a mentalidade necessária, nem os conhecimentos, para fazer andar o barco. E estagnam... São famílias que vivem de esmolas. E continuam a viver mal. Provavelmente não queriam que assim fosse; ninguém gosta de ser pobre. Certamente gostavam de poder por mais qualquer coisa na mesa, comprar uma peça de roupa para o filho, mas não dá. Não podemos generalizar desta maneira! Não podemos dizer que toda a gente que é pobre encara a pobreza como um modo de vida.
Se eu disser que há gente que encara a riqueza como modo de vida, estarei errada? Falou nessas pessoas? Cá para mim elas existem. Algumas vão aparecendo na televisão e tudo. E vão sendo vistas com bons olhos. Já o pobrezinho na esquina com a mão estendida…
Confesso que sou capaz de me afastar dessas pessoas e muitas vezes não lhes dar absolutamente nada, nem um sorriso (ainda que isto não ponha comida na mesa). Mas não nego que vivam mal, que precisem de ajuda, muita ajuda. Não há esta necessidade de os associar a este rótulo de «pobres profissionais», que vivem da pobreza. Há pessoas que têm de viver da pobreza. Os subsídios acabam (e eu sei que acabam), as pessoas não chamam por um trabalho como quem chama por um elevador.
A dignidade da pessoa tem de falar mais alto. Já alguma vez sentiu a sua dignidade abalada? Porque é que estas pessoas precisam de se sentir assim? Por que é que vamos por estas pessoas a trabalhar de forma pouco ou nada condigna quando, se calhar, podem ir conseguindo qualquer coisa que as instituições lhes vão dando, ou uma pessoa conhecida aqui e ali?
Depois vem a crítica aos desempregados. Mais uma vez concordo, em parte, consigo. Mas vá lá dizer à pessoa que trabalhou anos numa determinada área uns vinte anos para então ir fazer reposições para o pingo doce ou inquéritos porta a porta. Ou então tire uma semana de férias e vá fazê-lo a senhora. Certamente que sentirá que não foi para aquilo que foi desenhada.
É assim que os desempregados se sentem. E é inevitável que se vejam assombrados por sentimentos de impotência, culpa, perda de autoestima, o medo da instabilidade económica, etc. E refugiam-se no que mais facilmente tiverem à frente, sobretudo quando passam grande parte dos dias sozinhos, porque ou realmente vivem sem mais ninguém ou o resto da família passa os dias fora de casa a trabalhar e a estudar. Por vezes não falta vontade para sair dessa quase espiral de autodestruição, não são as pessoas que escolhem a situação em que estão. E, perdoe-me lá, mas não é um programa de voluntariado que vai por um homem de 50 anos no ativo. Não é o voluntariado que lhe vai aumentar as chances de arranjar trabalho. Isso é uma peta do tamanho do mundo. É preciso criar oportunidades para os desempregados. Como? Não faço ideia. Mas também não está – por enquanto – nas minhas mãos.
Por último, vem a dica da Isabel: «Os portugueses têm de aprender a viver mais pobres.»; e diz ainda que não se pode comer bife todos os dias. A verdade é que aposto que nunca lhe faltou o bife. E oxalá esteja eu errada e seja mesmo uma senhora muito poupada, que renega frequentemente à carne de vaca.
Acredite que os portugueses estão realmente a aprender a viver com menos, mais pobres. Não sei como funciona na sua casa, mas na minha é assim. Corta-se nos produtos mais caros, tenta-se economizar na luz ao máximo, vai-se menos vezes à Zara. Espero que consigo se passe igual. Que fale, fale, fale, e no fim de contas também faça qualquer coisa. Que vá dando o exemplo. Ou será que não ficou mais pobre?
Desejo-lhe um feliz natal e uma mesa bem recheada. Mas cuidado com os excessos, que os tempos não estão para isso.
Beijinhos,
Raquel